Recursos imensuráveis, em papel, trabalho, dinheiro mesmo, são investidos, há tempos, na determinação da verdadeira data do nascimento de Jesus, em pesquisa histórica que atende a natural curiosidade e pode ter finalidade meritória e piedosa à medida que fortaleça o conhecimento humano sobre o maior evento de todos os tempos, que foi a passagem do Mestre por este mundo.

Exageros e dessaberes à parte, os cristãos mantêm, quase sempre, o entendimento, ainda que incipiente, da significação verdadeira e transcendente da data magna de nosso concerto de fé, submetida invariavelmente a ditames e interpretações das muitas doutrinas que segmentam a cultura religiosa ocidental dominante.

Consagra-se, assim, além do aspecto festivo, social e terreno dessa época, o reconhecimento, em grau muito variado, do que se costuma denominar espírito do Natal, sentimento cultivado pelo íntimo pensante de cada um, nem por isso menos indispensável à compreensão dos ensinamentos de Jesus.

Entretanto, esse cenário positivo não prevalece em extensas regiões do mundo, cujas populações se mantêm na vanguarda tecnológica, científica, intelectual, financeira e política. Compõem-se de povos tradicionalmente cristãos, que muito sofreram ao longo dos séculos para o exercício de sua fé nos ensinos de Jesus, bem como para a sua imposição dominadora, triunfaram merecidamente, consagrando em arte e literatura os pontos culminantes de sua crença vencedora.

Nessas terras, o progresso material não se exibe acompanhado de similar avanço no conhecimento e na prática da verdadeira religiosidade, sentimento interior paulatinamente relegado a um patamar subalterno, a ser descartado por sua desnecessidade perante a ciência plena, que, a seu tempo, saneará todos os mistérios. Ao contrário, o chamado Primeiro Mundo, constituído por nações do hemisfério norte, além de Austrália e Nova Zelândia, comporta parcelas crescentes de seus habitantes que admitem o desinteresse pela religião, quando não seu inequívoco e deliberado afastamento.

Diversos posicionamentos, como desinteresse ou irrelevância da religião, agnosticismo, ateísmo e afins, agrupam-se sob a rubrica “sem religião”, consolidando índices preocupantes, como 42% na Nova Zelândia, 38% na Rússia, 34% na Alemanha, 30% na Austrália, 29% na Espanha, 28% na França; são lugares onde se erguem, imponentes, incontáveis e grandiosos templos protestantes e catedrais católicas e ortodoxas, inegáveis obras de arte que orgulham a humanidade, muito bem conservados e visitados por milhões de turistas todos os anos, porém tristemente vazios nos poucos dias de missas e cultos.

No continente europeu, onde 200 milhões de pessoas renegam qualquer crença, a prática religiosa definha claramente, mesmo em países onde o Cristianismo é professado pela quase totalidade da população, como Polônia, Portugal, Grécia e Itália, reduzindo o chamado fiel praticante a constrangedoras minorias. Embora o culto exterior não seja necessariamente imprescindível, o seu declínio, até agora inexorável, reflete a negação a qualquer nível de compromisso pessoal com a denominação religiosa a que o suposto crente se declare vinculado.

Tampouco a nossa terra, histórica e profundamente cristã, escapa a esse fenômeno deletério. Com efeito, é inegável que a frequência à igreja, geralmente católica, tem declinado ao longo de décadas, sem dar mostras de reversão de tendência, além da perda constante de fiéis, atraídos, muitas vezes, por cultos sucedâneos, que aparentam maior praticidade e pragmatismo e, principalmente, se mostram menos exigentes no tocante à evolução consciente e sincera para aproximação com as esferas superiores.

Portanto, é aos cristãos brasileiros, praticantes ou apenas devocionais, que se evoca o significado verdadeiro do Natal, data fundamental, conquanto simbólica, para o atingimento e a compreensão da excelsa missão de Jesus ao colocar-se à disposição da humanidade de modo ostensivo para os seres humanos deste mundo, vindo ao seu ambiente, sofrendo suas vicissitudes e os desafios da matéria e do intelecto. Seu comportamento irrepreensível e intimorato constituiu o exemplo magistral e conclamatório ao engajamento pessoal de cada um de seus irmãos terrenos na atitude perene de renovação e elevação de si mesmo, tarefa, a um tempo, ingente e realizável. 

A proximidade com o início do novo ano proporciona um período interessante e precioso de reencontro entre familiares, amigos e outras pessoas próximas, todos procurando o congraçamento e a reaproximação afetiva, por vezes negligenciada no restante do ano. O efeito mais imediato e visível é a permuta de presentes e mimos, herança quase desconhecida da vida romana anterior à era cristã, quando se festejava o deus Mitra, em 25 de dezembro, com esse costume, que incluía também a reunião de parentes distantes e até mesmo os escravos, que recebiam, somente nessa ocasião, tratamento igualitário, além de procissões pelas cidades. Constata-se, assim, que estes hábitos saudáveis e humanitários foram recepcionados pelas sociedades cristãs hodiernas, que os mantêm por serem agradáveis e prazerosos e, principalmente, por seus efeitos benéficos à boa convivência entre os seres, estendendo-se ao viés material, por incrementar os negócios comerciais e oferecer mais oportunidades de sustento e progresso a tantos que os buscam.

Entretanto, o Natal deve revestir-se de relevância inigualável para o cristão sincero, bastando que observe a grandeza imensurável de sua figura central, que, obedecendo às suas próprias palavras, se encontra presente em todos os agrupamentos de pessoas sensíveis e dedicadas à tarefa de reerguimento de si mesmas. Ele é o exemplo magno por tudo que ensinou, mais ainda por tudo que fez como primeiro, maior e insuperável praticante do Cristianismo, trazendo-nos a prova cabal e insofismável de que este orbe representa o cenário ideal para remissão de todos os espíritos a ele retornados.

Porque Jesus precisa marcar presença no seu natalício!

A frase parece estranha, e de fato é, porém remete às circunstâncias realistas em que essa obviedade não se verifica necessariamente, tal a resistência, por vezes inconsciente, que diversas sociedades opõem a esse convívio dignificante. Assim, embora se verifique inegável que a reunião natalina é motivada por elevadas intenções de amor e entendimento entre parentes e amigos em grande parte do mundo cristão, igualmente forçoso é admitir que, em vários ambientes, notadamente aqueles dominados por concepções filosóficas mais pragmáticas, em que o progresso material e intelectual tende a ser visto como suficiente para o avanço e bem-estar do ser humano, o aspecto religioso da celebração é subestimado como dispensável ou secundário.

De modo lamentável, em muitas sociedades avançadas e orgulhosas, ou em lares abastados por todo mundo cristão, Jesus não comparece efetivamente ao próprio aniversário…

A comemoração sempre acontece, as famílias reúnem-se, trocam-se presentes e afetos, relembram-se de episódios edificantes da vida, entretanto não se aproveita a oportunidade para aprender mais sobre o grande professor da humanidade, com suas lições inolvidáveis e atemporais sendo relegadas ao esquecimento e à presumida desatualização dos séculos. Apesar de esdrúxula, a esses irmãos resulta aparentemente irresistível a constatação de que o ensinamento evangélico se mostre subestimado ante os avanços científicos, com o seu regramento ético e moral sendo substituído pelo equivalente humano, adquirido pelo progresso das sociedades, sempre válido, porém insuficiente para a projeção do espírito além das fronteiras terrenas, processo sob dificuldade crescente em função do materialismo conscientemente assumido ou ditado pelo pragmatismo do cotidiano.

Contempla essa posição infeliz o raciocínio, supostamente racional, de que a sustentação ofertada pela religião permanece necessária e eficaz enquanto perdurar a ignorância sobre os aspectos principais da existência terrena, já que a ciência obterá, inevitavelmente, a explicação última e inquestionável de todos os fenômenos ainda resistentes ao discernimento do ser humano. 

Ninguém discorda de que o conhecimento sem a humildade jamais atingirá a sabedoria, embora o comportamento coletivo pretenda, por vezes, subverter esse mandamento, o que não levará, naturalmente, a lugar algum, exceto ao vazio, com todo seu cortejo de infelicidade.

O Natal do cristão dedicado deve apontar para objetivo diferente, que realmente transcenda a vivência planetária, ultrapassando as limitações humanas em matéria e intelectualidade, para revisitar o Divino Mestre no patamar excelso de que ele nunca se afastou. Será, portanto, a época inolvidável de mergulhar mais intensamente na própria doutrina cristã, sob a orientação de sua crença honesta, qualquer que venha a ser esta, desde que fundamentada necessariamente no amor, na caridade e na obediência irrestrita aos desígnios divinos.

A época revela-se similarmente preciosa para que cada um avalie a própria trajetória terrena, examinando o que realizou e, também, o que lhe caberia, mas não conseguiu, não pôde ou não quis realizar. Os grandes vultos do Cristianismo, Santo Agostinho à frente, nunca economizaram conselhos no sentido dessa análise de si mesmo, porque sempre haverá tempo para reformar os passos incorretos ou mesmo indecisos e para a retomada dos rumos corretos. A intenção sincera de reforma íntima, aliada à vontade de por ela trabalhar, poderá constituir-se na melhor homenagem que se poderia prestar àquele que nunca errou, jamais transigiu ao equívoco e espera que todos o alcancem algum dia.

Para o espírita, todavia, a expectativa vai mais adiante.

Para além do espírito de Natal, condição primária para a existência material em consonância e convergência com os valores espirituais, precisará o adepto pleno do Espiritismo compreender, por atitudes, palavras e pensamentos, o indefectível Natal do espírito.

Consistirá no entendimento avançado da verdadeira dimensão de nosso condutor neste mundo, espírito insuperável, com bilhões de anos em exercício da perfeição possível a um filho amado do Pai Eterno, fugindo ao conhecimento trivial de que Jesus veio à Terra como o salvador da humanidade em descaminho, logrando redimi-la com o seu sacrifício físico. O cenário é muito mais grandioso quando observamos que o Mestre recebeu a missão de comandar a redenção de incontáveis espíritos que aguardavam, há milênios incontáveis, o acendimento do farol que finalmente lhes mostraria a direção correta.

E Jesus o fez coordenando a preparação de um mundo adequado ao trabalho remissor de seus irmãos mergulhados no engano e na ilusão, concedendo-lhes, por seu amor, essa oportunidade imperdível. Respeitando a lei maior, que o Pai jamais revoga, ele acompanhou a lenta evolução material do globo terrestre, desde a esfera ígnea, quando esfriou lentamente, passando pela bola rochosa, que, também vagarosamente, avançou até a capacidade de abrigar a vida primitiva, organismos vegetais unicelulares, penosamente secundados pela flora e fauna que elaboraram o ambiente terreno onde afinal afloraria a nossa espécie, a primeira capaz de abrigar o espírito já emancipado pelo livre-arbítrio.

Essa condição é irrenunciável, não pode o espírito esquivar-se ao raciocínio em todos os setores de sua existência imortal, privilégio que lhe evidenciará a generosidade ilimitada do Cristo, a lhe propiciar inumeráveis e suficientes condições para a trajetória, longa e possível, até a perfeição de que o Divino Mestre usufrui há tempos imemoriais.

Portanto, o Natal do espírito deve consagrar a convicção de que Jesus constitui, de fato, o excelso modelo a seguir, afirmação que não pode constranger-se à mera eloquência retórica, porém estará, necessariamente, impregnada em todos os momentos da existência material, intermitente, e espiritual, interminável.

A proximidade física, o reencontro voluntário e a boa vontade recíproca consolidam o cenário perfeito para a compreensão da perenidade dos ensinamentos, dos exemplos e da presença do Divino Mestre entre os seres beneficiados pela evolução neste planeta.

Porque o espírito do Natal e o Natal do espírito, lídima e irrestritamente vividos, confundem-se, imortalizam-se, caracterizam a própria existência da criatura divinamente emanada.

 

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